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Skull Man (1970), edição tankoubon

Skull Man [The Skull Man] (スカルマン, na grafia original) é uma história em quadrinhos de autoria de Ishinomori Shoutarou (1938–1998) publicada originalmente em três partes na Weekly Shounen Magazine em 1970 e posteriormente, acompanhando outras histórias, em edições encadernadas em formatos tankoubon e wide-ban.

A narrativa apresenta a história da Kagura Tatsuo, um jovem de dezoito anos filho de um chefe yakuza que passa a trabalhar para Tachiki, um experiente chefe de uma agência de detetives. A agência de Tachiki por quinze anos se dedicou infrutiferamente a localizar um garoto que desapareceu quanto tinha três anos, além de investigar uma onda de crimes em andamento nos últimos três anos que acredita estar relacionada com o garoto que procura. A investigação da série de crimes variados aparentemente sem motivação e sem nenhum indício que os relacione leva a um suspeito misterioso que se auto-intitula como Skull Man.

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Skull Man (1970), edição wide-ban de 1977

A trama de Skull Man se inicia já com uma série de crimes diversos, incluindo homicídios e ataques terroristas, sendo cometida por um kaijin — forma de vida humanoide derivada de um humano, mas modificada artificialmente para algum propósito bélico que geralmente tem uma anatomia antropozoomórfica e que aceita sua condição como objeto e arma — e pelo próprio Skull Man. O personagem título é mostrado como um sujeito física e mentalmente superior aos demais humanos, exibindo grande capacidade atlética e intelectual, conseguindo até mesmo, através do poder de sua mente, induzir outros sujeitos a realizar pequenas ações sob o seu comando.

A narrativa segue exibindo a série de crimes cometidas por Skull Man, dando ênfase em sua frieza e indiferença em relação às suas vitimas, e seus perseguidores sempre a um passo atrás incapazes de prever suas ações. Conforme a trama se desenrola, Skull Man manipula a situação e atrai os investigadores com o intuito de extrair deles a informação a respeito do misterioso sujeito que os contratou e organizou a perseguição. E, ao confrontar o sujeito que o quer deter, Skull Man revela que a motivação para seus crimes é destruir uma estrutura de poder criada pela pessoa que o caça e que ele quer destruir. Todas as vítimas de seus crimes estavam relacionadas a algum tipo de esquema de corrupção do qual seu oponente é o líder e principal beneficiário dos lucros. E o fato mais importante para a determinação de Skull Man é que esse sujeito que é o chefe dos maiores esquemas de corrupção do Japão também é o responsável pelo assassinato de seus pais ocorrido quinze anos atrás.

Skull Man é um paradigmático — e possivelmente um dos primeiros — anti-herói das histórias em quadrinhos japonesas. Mas para entendermos sua condição como anti-herói, primeiro precisamos contextualizar o que seria um herói. O conceito de “herói” tem diferentes definições dependendo da época e da cultura na qual é empregado. No contexto dos mitos clássicos, que foram uma das principais fontes para definir o conceito, o herói é um sujeito que apresenta uma conduta exemplar que, se mimetizada pelas demais pessoas, traria benefícios à sua sociedade. Uma das características de distinção do herói clássico é a posse das Virtudes Competitivas, um conjunto de habilidades que permitem ao herói confrontar e superar as adversidades. Ou seja, em essência, os heróis são indivíduos de destaque que conseguem superar grandes desafios e servir de modelo para a conduta dos demais sujeitos.

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Kagura Tatsuo e o detetive Tachiki investigam uma das cenas de homicídio.

Outro ponto determinante para a constituição do herói é seu papel como agente civilizador. Na tradição grega clássica, uma relação primordial para a compreensão do mundo é a oposição entre Ordem e Caos. A harmonia, justiça e qualidade das relações entre sujeitos e comunidades é entendida como originadas de um Eu Kósmos (Boa Ordem), e sua ausência, o Caos, é visto como propagador de danos. O que separaria os humanos do restante da natureza seria justamente sua capacidade acima da média de ordenar e organizar o mundo com o objetivo de buscar uma melhor condição de vida. Assim, a lógica, a razão e a prudência são recursos que levam à Ordem. E, sendo a natureza um tanto desordenada, caberia aos humanos ordená-la para buscar uma melhor qualidade de vida. Já os monstros são justamente a personificação da propagação do Caos. Seres que não agem com prudência ou razão, mas sim com selvageria e agressividade irracional. Aí entra a função do herói. Por possuírem as Virtudes Competitivas, aos heróis cabem a função de se valer de uma conduta apenas pouco selvagem ara combater a selvageria pura dos monstros, derrotá-los e, após o confronto, retornar à razão. Assim, uma das funções dos heróis clássicos é se opor aos agentes causadores de caos para implementar a Boa Ordem no mundo.

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Skull Man e seu protetor, Garo

A narrativa heroica clássica costuma passar por dois pontos que são determinantes à constituição do herói. O primeiro é a katábasis, a jornada rumo à decadência, que em alguns casos pode ser no sentido de um lugar, como a ida ao mundo inferior, mas cujo elemento mais importante é a de se configurar uma decadência moral, de ímpeto ou condição. A katábasis é o momento da narrativa na qual o herói passa por uma atribulação que o leva a um estado decadente que questiona sua posição como portador das Virtudes Competitivas. O segundo momento se dá na anábasis, a jornada de subida na qual o herói ascende ao mundo superior, literal e metaforicamente. Com a anábasis, o herói supera seu estado decadente e se reafirma como herói ao recuperar e reforçar sua posição como figura exemplar que supera as dificuldades.

Uma das condições que podem levar o heróis a passar pela katábasis é ele entrar em um estado de hýbris¸ uma condição na qual o herói, movido por petulância ou arrogância em relação à sua grandiosidade por possuir as Virtudes Competitivas, age cometendo excessos que desrespeitam e causam danos àqueles à sua volta e à sua comunidade. Com isso, o herói deixa de ser uma figura que serve de modelo aos demais, bem como não cumpre mais seu papel civilizador e se opõe a ele ao se tornar um propagador de caos e, com isto, deixa de ser um herói. Um dos contextos que poderiam levar um herói ao estado de hýbris é o fato dele, ao valer-se de um pouco de selvageria para derrotar um monstro representante da selvageria pura, não conseguir recuperar a razão e se perder em uma série de ações caóticas. Entre as condutas comuns da hýbirs, está o phónos akoúsios, um homicídio injusto do qual o herói, por agir de maneira arrogante, é responsável. Dessa forma, a anábasis é a jornada de ascensão pela qual o herói tem de compensar pelos erros cometidos por ele próprio em um momento de arrogância para retomar seu papel como agente civilizador e novamente se tornar um digno de ser considerado um herói.

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Skull Man manipula e assassina um vigilante inocente para atingir seus objetivos.

Já o anti-herói é um protagonista que possui as Virtudes Competitivas e, ocasionalmente, pode até desempenhar algum papel civilizador, mas cuja motivação não é promover a ordem nem possui uma conduta que possa ser usada como exemplo para o restante da sociedade. O anti-herói, inclusive, pode ser o sujeito possuidor das Virtudes Competitivas que passa pela katábasis sem conseguir passar pela anábasis, ficando eternamente preso na condição de hýbris, em um estado moral questionável ou com uma percepção pessimista e desesperançosa de si próprio ou de sua sociedade. E é justamente neste estado que Ishinomori nos apresenta seu Skull Man, um sujeito que possui capacidades acima da média humana que o permitem superar desafios, mas que, diante de uma grande perda e trauma, passa a acreditar que sua superioridade de habilidades é uma justificativa moral suficiente que legitima suas ações em excessos. Skull Man apresenta um discurso de que, por terem sofrido uma injustiça e por seus atos terem como objetivo atacar alguém que comete agressões e injustiças contra muitas pessoas e contra a sociedade, suas ações para destruir seu inimigo são legitimas, incluindo se no processo provocar violência e danos contra pessoas inocentes. Skull Man é um anti-herói por definir sua conduta tendo como paradigma estado de hýbris.

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pôster de Dr. Mabuse, der Spieler, 1922

A principal referência para a construção do personagem título de Skull Man é o personagem título do romance de 1921 de Norbert Jacques (1880–1954) adaptado em 1922 para o cinema por Fritz Lang (1890–1976), Dr. Mabuse, der Spieler (Dr. Mabuse, O Jogador). O personagem Dr. Mabuse é um membro da alta sociedade alemã e psiquiatra reconhecido academicamente que possui um intelecto altamente elevado. Seu potencial mental é tão alto que consegue induzir o comportamento de outras pessoas e utilizar-se de hipnose. Apesar de sua condição privilegiada, Mabuse usa seu potencial mental e o fato de ser um mestre dos disfarce para cometer uma onda de crimes que envolvem sequestro, assassinato, terrorismo, roubo de segredos políticos, manipulação da bolsa de valores, falsificação de dinheiro. Um fato relevante é que Mabuse não precisa do fruto de seus crimes para ter uma boa condição de vida, e muitos de seus delitos não lhe proporcionam algum tipo de vantagem social e econômica. Dr. Mabuse comete seus crimes apenas pela satisfação da prática de tais atos, pelo prazer de violar as normas vigentes, perverter o equilíbrio social, desafiar as autoridades estando sempre um passo à sua frente e invariavelmente provar sua superioridade.

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Skull Man usa suas habilidades hipnóticas contra uma vítima.

As duas narrativas, Skull Man e  Dr. Mabuse, der Spieler se iniciam com a prática de grandes crimes aparentemente aleatórios, mas cometidos por um grande gênio que consegue escapar sem deixar indícios de sua existência. Tanto Skull Man quanto Mabuse são mestres em disfarces e possuem capacidade mental ampliada que permite controlar hipnoticamente suas vítimas. E ambos decidem desafiar abertamente seus perseguidores para provar sua superioridade intelectual. Mabuse também é alguém que age e vive através dos excessos, mostrados tanto na prática de suas ações com motivações megalomaníacas como nas comemorações de suas vitórias com o consumo exacerbado de bebidas alcoólicas e cocaína. Com tais excessos, Jacques e Lang queriam construir uma alegoria para um comportamento que viam na Alemanha pós-guerra. Depois do fim da Primeira Guerra Mundial, muitos dos que sobreviveram contemplaram uma enorme quantidade de violência, destruição, ruína e morte, que resultou na derrota alemã e depois na República de Weimar, a promessa de uma reconstrução de sua comunidade a partir de ideais democráticos, mas que entregou apenas um sociedade cheia de traumas, com economia abalada, altos índices de desemprego e inflação. O período da guerra foi de violência e perda, e aquilo que se via no pós-guerra não parecia indicar um caminho para um futuro melhor. Nesse contexto, muitas pessoas passaram a ter uma percepção cínica e pessimista da vida, na qual, diante da brutalidade da guerra, a vida humana e as normas sociais pareciam ser algo banal e destinados a não perdurar. Se os sujeitos sentiam que suas vidas e daqueles que os rodeavam não possuíam valor e podiam ser extintas a qualquer momento, a alternativa viável de se viver neste contexto seria através dos excessos, aproveitando o máximo possível do momento sem se importar com as consequências e se entorpecendo para escapar da realidade. Dr. Mabuse é a expressão máxima da vida baseada em excessos na República de Weimar, um estado de hýbris perpétuo, na qual a História assume o papel de uma grande katábasis e da qual jamais haverá uma anábasis.

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Garo ataca mais vítimas.

Skull Man assume um papel equivalente ao de Mabuse, só que no Japão da virada da década de 1960 para 1970. Em um país que já havia se reconstruído do pós-guerra, livrado-se de uma ocupação estrangeira e que estava em crescimento econômico, mas fortemente marcado por uma cultura bélica cujos seguidores estavam a se manifestar reivindicando a volta da existência de um exército japonês e de um papel de influência do país no continente asiático. Além de uma forte tradição que pregava que o valor de um sujeito era medido por sua capacidade de cumprir os papéis exigidos dele por sua comunidade, trabalho e família. Com os danos causados pela participação do Japão na Segunda Guerra Mundial, o contato com a cultura ocidental, o perigo do retorno de uma política armamentista e o despertar dos movimentos de contracultura, uma cultura de rebeldia e excessos também se manifestou na juventude japonesa do período. Skull Man é a personificação dos excessos dessa geração, mas não uma crítica moralista que repreende a conduta de excessos, mas mais uma denúncia que retrata o conflito entre a hýbris da juventude com a hýbris da geração anterior, que possivelmente foi ainda mais danosa à sociedade e deu causa à existência da rebeldia e excessos de seus filhos.

Skull Man traz ainda outro ponto, que comumente está presente em outras obras de Ishinomori e de outros autores do shounen da década de 1970: os limites da humanidade. Skull Man é um mutante, nasceu já com potencial para transcender os limites das capacidades humanas. Seu protetor, Garo — cujo nome tem a mesma grafia em katakana “ガロ” da revista de quadrinhos alternativos Gekiga criada por Nagai Katsuichi (1921–1996), mas que também pode remeter ao termo garou (lobo com presas) —, é uma forma de vida artificial com a capacidade de assumir atributos de alguns animais e foi criado para superar os humanos como forma de vida. Entretanto, mesmo sendo biologicamente superiores, tal estado não se manifesta também no campo  moral. Simultaneamente, o inimigo de Skull Man e responsável pela tragédia que foi a motivação para a sua perspectiva do mundo é um humano que agiu determinado a proteger a humanidade como espécie, mas tal condição humana também não lhe garantiu uma condição moral elevada. Foram justamente suas ações com o objetivo de proteger a existência da espécie e sua dominância do planeta que fez com que Skull Man, que poderia ter crescido como um agente da ordem, tornasse-se um agente propagador de caos e causador de danos à sociedade. Ambos oponentes presumem que sua condição como humano/super-humano garante a legitimidade de sua condição moral como superior e valida seu curso de ação, e ambos falham ao atingir este estado.

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Composição de paisagem com desenho com hachuras manuais.

Formalmente, os desenho de Ishinomori seguem suas convenções estilísticas tradicionais, combinando personagens em abstracionismo icônico e alternância de enquadramentos inspirados na tradição de Tezuka Osamu (1928–1989) com a representação de cenários mais naturalistas influenciado pela tradição do Gekiga. Há uma presença um pouco menor do que é comum nas obras de Ishinomori de ambientes com estruturas arquitetônicos, possivelmente devido a se tratar de uma história em quadrinhos curta e com muitas cenas focadas em diálogos com enquadramentos fechados com quadros de enquadramento subjetivo. Entretanto, nos quadros que contemplam paisagens e construções, há um uso bem menor de efeitos de retícula, que são bem comuns em trabalhos de Ishinomori, e muito mais uso de composições com efeitos de hachuras feitas manualmente que dão conta da mesma função que seria feita pelas retículas.

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Skull Man e Garo atravessam um pântano desenhado com hachuras manuais.

Houve um interesse da produtora Toei em desenvolver um seriado baseado em uma obra de Ishinomori, e a proposta original seria uma adaptação de Skull Man que se chamaria Kamen Rider Skull Man. Mas, como os produtores da Toei tinham interesse em voltar o programa para um público infantil e infantojuvenil e concorrer com a franquia de séries derivadas de Ultraman da Tsuburaya, o conceito do anti-herói que sacrifica inocentes para atingir seus objetivos pareceu não ser o mais adequado. Então, durante o desenvolvimento do projeto, Ishinomori teve de adaptar alguns conceitos e desenvolver um novo personagem que compartilha-se de algumas das premissas de Skull Man, mas possuísse os atributos heroicos. O resultado foi a criação de Kamen Rider, uma história em quadrinhos e série de televisão (1971–1973) sobre um sujeito que foi sequestrado e modificado por uma organização que planeja a dominação mundial para ser um de seus agentes, mas escapou e, ao invés de pretender destruir a organização como vingança, combate-a para por motivos altruístas.

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design de produção de Ishinomori para a série Kamen Rider de 1971
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design de produção de Ishinomori para a série Kamen Rider de 1971
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Skull Man (1998), volume 1

42No final da década de 1990, Shimamoto Kazuhiko (1961–), que já havia feito a adaptação para história em quadrinhos do filme Kamen Rider ZO de 1993 e o capitulo extra Kamen Rider Black PART X: Imitation 7, foi convidado por Ishinomori para desenhar uma sequência para Skull Man original. Ishinomori acabou morrendo antes da realização da obra, mas Shimamoto realizou os desenhos a partir do argumento escrito por Ishinomori, e uma segunda série de histórias em quadrinhos Skull Man foi publicada entre 1998 e 2001, posteriormente republicada em duas diferentes edições encadernadas totalizando cinco e sete volumes. Nessa sequência, Skull Man e seu protetor enfrentam uma série de kaijin criados pela mesma tecnologia que gerou Garo e que estão a serviço de um sindicato criminoso que tenta controlar pessoas em posição de poder. Nessa sequência, Skull Man continua sendo um anti-herói que age a partir de excessos, mas desta vez em uma trama mais complexa envolvendo mais personagens. Sendo que alguns dos kaijin que aparecem são diretamente inspirados nos kaijin a serviço da Shocker em Kamen Rider, além de ocorrerem participações especiais de diversos personagens criados por Ishinomori, como Jiro/Kikaider de Jinzou Ningen Kikaider e K de Robot Keiji.

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Garo ataca uma vítima na versão de 1970 por Ishinomori.
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Garo ataca uma vítima na versão de 1998 desenhada por Shimamoto.

19O estilo de desenhos de Shimamoto é bem diferente do de Ishinomori, com representação de personagens com corpos alongados e formas de extremidades angulosas típicas da produção de quadrinhos japoneses dos anos 1990. Shimamoto usa muitos efeitos de contrates, não só pare representar efeitos de luz e sombra, mas para compor o cenário e definir suas formas, além do uso de muitas aplicações de retículas que, combinados com a composição a partir de contrates, causa interessantes efeitos de textura. Ainda, em vários momentos, reconta eventos narrados na história de 1970 mantendo os pontos do roteiro original, mas reapresentando com novas composições visuais, com enquadramentos e diagramação de páginas condizentes com as convenções narrativas e visuais da produção de Shimamoto. Além de criar composições que e citam quadros marcantes da versão desenhada por Ishinomori.

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o kaijin aranha
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Skull Man é carregado por Garo.

Em 2007 foi lançado um remake de Skull Man produzido pelo Studio BONES na forma de um piloto em live-action e CGI chamado Skull Man: Yami no Joshou (Skull Man: Prólogo das Trevas) seguido de uma série de animação em treze episódios. Nessa versão, a narrativa se passa em um Japão pós-Segunda Guerra Mundial no qual o conflito resultou em uma guerra civil dentro do país. Após o fim do conflito interno entre as facções do sul e do norte do Japão, um repórter de um pequeno jornal de Toukyou chamado Mikogami Hayato viaja para a cidade do interior na qual nasceu, Ootomo, para investigar boatos de que uma série de mortes oficialmente declaradas como acidentes ou suicídios foram homicídios cometidos por um homem usando uma máscara de caveira. Conforme Mikogami e sua parceria, Mamiya Kiriko, vão investigando a cidade, que descobrem ser controlada pelo grande grupo empresarial farmacêutico que financiou sua expansão e por uma nova religião surgida no local, uma série de assassinatos e aparecimentos de kaijin chamados GRO indicam não só a presença do misterioso homem com máscara de caveira, como a existência de uma conspiração envolvendo pessoas poderosas da região.

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Skull Man: Yami no Joshou, 2007

Essa nova versão de Skull Man também apresenta o tema das consequências da transcendência da condição humana. Nela, são citadas diretamente teorias de Friedrich Nietzsche (1844–1900) para abordar a situação dos kaijin comparando-os ao übermensch. O kaijin, como um humano que foi modificado para superar os limites da humanidade nunca alcançaria seu verdadeiro potencial se vivesse limitado a ter de seguir as normas sociais e morais humanas. Alguns personagens da versão de 2007 de Skull Man não só almejam alcançar o estado de kaijin vendo neles a possibilidade da superação das falhas humanas, como defendem que, por ter alcançado um estado superior, tornam-se legítimos a seguir uma nova moral proposta por eles que seria proporcionalmente superior à moral da sociedade humana. Nos termos de um dos personagens, a busca por uma mente, corpo e posição social superior se dá com o objetivo do sujeito que a alcança ter legitimidade para ditar o que é correto e justo.

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Skull Man na série de animação de 2007

Já essa versão de 2007 de Skull Man mais uma vez reforça sua posição como herói que não consegue percorrer sua anábasis. Nas palavras do próprio Skull Man, um mal só pode ser combatido por um mal maior, que ele próprio pretende personificar ao aceitar sua necessidade de se tornar algo maligno para conseguir realizar sua missão. Como na estrutura da narrativa do herói clássico, que, para civilizar seu mundo, aceita se tornar um pouco selvagem para combater de igual para igual a selvageria. Mas que, no caso de Skull Man, a proporção de selvageria que precisa incorporar e tão grande que jamais poderá retornar à civilização. Skull Man é um anti-herói não só porque não consegue escapar do estado de hýbris, mas porque o busca de maneira consciente certo de que é o único modo de potencializar suas Virtudes Competitivas e realizar sua demanda. Skull Man transcende suas capacidade ao abrir mão intencionalmente e sem possibilidade de retorno de qualquer moral.

Na narrativa ainda há a participação de um grupo de desenvolvimento de tecnologia que se apresenta como Black Gear, na qual vários de seus integrantes são personagens criados originalmente por Ishinomori como membros do grupo Black Ghost da história em quadrinhos Cyborg 009 de 1964–1981, fazendo com o a versão de 2007 de Skull Man se passe na mesma continuidade narrativa de Cyborg 009 ocorrendo alguns anos antes dos eventos mostrados nesta HQ. Ainda, nessa versão, o design de Skull Man foi construído tendo como referência o do protagonista de Kamen Rider: The First, uma releitura de Kamen Rider original na forma de um filme lançado em 2005. Além de outras citações, como o fato de dois GRO, em sua forma humanoide, terem a aparência dos personagens Mieko/Bijinder e Walder de Jinzou Ningen Kikaider.

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Skull Man (2007), volume 1

Também em 2007 foi publicada uma adaptação para história em quadrinhos da série animada do mesmo ano que foi posteriormente encadernada em dois volumes e cujos desenhos ficaram a cargo de MEIMU (1963–). O autor já havia produzido em 2000 releituras de outras HQ de Ishinomori, Jinzou Ningen Kikaider de 1972–1974 e Inazuman de 1973–1974, que foram intituladas Kikaider Code: 02 e Inazuman VS Kikaider: The End of Kikaider-02.

Skull Man influenciou algumas obras além de Kamen Rider original, como na criação dos personagens Skullomania, do videogame Street Fighter EX da Capcom de 1996, e Narumi Soukichi/Kamen Rider Skull, da série Kamen Rider W de 2009–2010, este último tendo como conceito principal o modelo de detetive da literatura Hard-Boiled de Raymond Chandler (1888–1959).

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Skullomania, Street Fighter EX, 1996
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Kamen Rider Skull, Kamen Rider x Kamen Rider W & Decade: Movie Taisen 2010, 2010

Skull Man é sobre a superação das falhas humanas e a busca pelo nosso futuro como sujeitos e espécie, mas também é sobre as consequências de atingirmos nosso potencial e, ao olharmos do alto, acreditarmos que tal posição elevada nos dá a condição de determinar de forma inequívoca o que é certo e justo.

Crítica em vídeo:
“Skull Man” de Ishinomori Shoutarou: o anti-herói que originou Kamen Rider

Referências

ISHINOMORI Shoutarou. Kamen Rider. Edição wide-ban. Volumes 1–2. Sun Wide Comics. Toukyou: Asahi Sonorama, 1984.

ISHINOMORI Shoutarou. Skull Man [The Skull Man]. Edição wide-ban. Star-15 Comics. Toukyou: Daitosha, 10 de maio de 1977.

Kamen Rider Art Collection 2003–1971: hero hen. Toukyou: MediaWorks (Kodokawa), 20 de julho de 2003.

2 comentários em ““Skull Man”, o anti-herói em hýbris que precedeu Kamen Rider e descendeu de Mabuse

    1. O estilo do Ishinomori tem alguma influência do Tezuka, mas também tem muitas diferenças. O Tezuka herdou muito da tradição do manga dos anos 30, que criava personagens em uma lógica de abstracionismo icônico a partir da montagem de formas geométricas. Daí os personagens do Tezuka tendiam a ser mais esquematizados. O Ishinomori herdou um pouco desses elementos, mas os combinou com várias convenções criadas pelos autores do Gekiga, que eram justamente uma oposição estética ao que o Tezuka fazia. Daí os personagens do Ishinomori costumam ter as proporções anatômica um pouco menos esquemáticas que as do Tezuka. Além de usar muitos cenários naturalistas com perspectiva clássica e usando fotos como referência. Daí ele acabou sendo um dos autores mais influentes do Shounen dos anos 70 justamente por ser um doas caras que estabeleceu um estilo que combinava elementos das duas tradições anteriores.

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