Kyoujuu Tokusou Juspion (Investigação Especial da Feras Gigantes Juspion, em tradução livre) foi a quarta série/temporada da franquia Metal Hero da produtora Toei exibida originalmente de março de 1985 a março de 1986. A série foi planejada para modificar a franquia Metal Hero, cujas temporadas anteriores tiveram como tema o conceito de policiais espaciais, tentando se apropriar do sucesso no período dos daikaijuu — animais selvagens que sofreram modificações tornando-se únicos de seu tipo e gigantes — comumente presentes na franquia Super Sentai da Toei e no então recente remake do mais famoso kaijuu gigante ocorrido no filme Godzilla de 1984.

Kyoujuu Tokusou Juspion foi exibida no Brasil a partir de 1988 com o título O Fantástico Jaspion, no qual o nome do protagonista Juspion (contração de “justice” + “champion”) foi modificada para “Jaspion” para evitar eventuais equívocos de pronuncia que poderiam ser cometidos pelo público brasileiro. A partir de 1989 a EBAL publicou no Brasil histórias em quadrinhos que adaptavam episódios de Kyoujuu Tokusou Juspion e outras séries de tokusatsu. Mas, no final de 1990, o personagem ganhou uma publicação própria pela Editora Abril.

O Fantástico Jaspion da Abril teve doze números e foi publicado de novembro de 1990 a outubro de 1991. O título foi publicado com o selo Jaspion Hero-Club e, como as publicações de tokusatsu da EBAL, foi produzido pelo Studio Velpa, que tinha entre seus integrantes autores que já haviam trabalhado com outras publicações de histórias em quadrinhos nacionais, incluindo títulos da Disney e da Mauricio de Souza Produções. Cada um dos números trazia duas histórias, a primeira dedicada ao personagem título, e a segunda alternava entre diferentes personagens de tokusatsu da Toei. As histórias de Jaspion tinham roteiros de Rodrigo de Góes (1967–2018). Já as ilustrações ficaram a cargo de Aluir Amâncio (1968–) nos três primeiros números. A partir do número 4, os desenhos foram assumidos por Marcello Arantes, que também fez a arte-final de algumas histórias junto de outros artistas.

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a coroação de Amsor Goss

A trama elaborada por de Góes dava continuidade aos eventos do final da série, apresentando uma premissa que envolvia os conflitos políticos desencadeados pela queda de Satan Goss (Satan Gorth, na versão original japonesa). Enquanto Jaspion, Anri e o pequeno Edin (Ginga no Tarzan, na versão original) vivem tranquilamente no Planeta Edin, o império de Satan Goss entra em conflito. Nimbus, um ex-general a serviço de Satan Goss aproveita-se do vácuo de poder para assumir o controle do planeta Thalos, transformando-o em sua capital da qual inicia uma rebelião para assumir o controle do império. Simultaneamente, no Planeta Imperial Goss, Amsor Goss, filho mais novo de Satan Goss, assume a antiga armadura de seu irmão MacGaren (Mad Gallant, na versão original) e é coroado como novo imperador. Enquanto o ganancioso, mas grande estrategista, Nimbus entra em confronto com o inexperiente, arrogante e manipulado por seus conselheiros Amsor Goss pelo controle do império, uma mulher chamada Anthyea procura pela ajuda de Jaspion para impedir o crescente domínio de Nimbus sobre vários mundos. Entretanto Anthyea trabalha secretamente para um terceiro pretendente ao controle do império. Os seis primeiros números são centrados na disputa entre Nimbus e Amsor, no plano engendrado pelo mestre de Anthyea e na estratégia de Nimbus para neutralizar os poderes de Jaspion e exilá-lo em um planeta prisão que serve como arena de exibição de batalhas cujos prisioneiros recebem o comunicado de que aquele que matar Jaspion ganhará perdão de seus crimes e liberdade. Esse primeiro arco chega ao seu clímax no número 6 da revista, no qual ocorre o duelo entre Jaspion e Nimbus e a revelação daquele que manipulava os eventos das sombras.

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a chegada de Anthyea

A partir do número 7, a trama torna-se mais dispersa, apresentando algumas histórias com narrativas mais fechadas, apesar de ainda se manterem dentro de uma cronologia, introduzindo a entidade que intenciona colaborar com a evolução de algumas civilizações chamada de O Olho e apresentando a formação de uma aliança entre diversas nações espaciais contra o império de Satan Goss.

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Jaspion, no planeta arena, encara Nimbus.

Os roteiros de O Fantástico Jaspion de de Góes têm uma forte influência das histórias em quadrinhos com temas cósmicos escritas por Jim Starlin (1949–) para a Marvel, como Captain Marvel e Warlock, e constroem uma space opera enriquecida com um fundo político. Entretanto a narrativa acaba se desenrolando rápido demais, não dando muito tempo para o desenvolvimento dos personagens, exceto talvez por Anri, que sofre por não ter seus sentimentos similares aos humanos reconhecidos por Jaspion, e Amsor Goss, que passa de jovem arrogante para um guerreiro em conflito e depois para um herói honrado. Amsor e Nimbus são os personagens originais mais interessantes do título, e infelizmente não tiveram seu potencial todo desenvolvido — bem como todo o título não teve — devido à curta vida da revista. Digno de nota que, para estabelecer sua aventura espacial com fundo político, de Góes deixou de lado dois elementos que foram temas principais na série original: as feras gigantes e a mitologia cristã.

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a angústia de Amsor Goss

As histórias presentes nos três primeiros números são visualmente bem construídas, com uma boa dinâmica narrativa, além de Aluir Amâncio criar toda uma iconografia original que seria seguida pelo título, como os designs dos soldados imperiais, os braceletes anuladores de poderes, fortalezas espaciais que parecem castelos fantásticos sobre plataformas tecnológicas flutuantes, ou a representação das espadas com lâminas laser — que nas séries Metal Hero eram inspiradas nos sabres de luz de Star Wars — como incandescências energéticas flamejantes. A partir do número 4, os desenhos de Marcello Arantes seguem um estilo inspirado nas histórias em quadrinhos da Marvel e da DC do começo da década de 1990, apesar de ambos os desenhistas comumente usarem poucos quadros por página. As duas melhores histórias desenhadas por Arantes são a dos dois últimos números. No número 11, temos uma história que se inicia com Amsor Goss confuso vagando por um limbo habitado por seus maiores medos. Nessa história, Arantes aproveitou o tom soturno da narrativa e o conflito de Amsor para construir uma narrativa visual angustiante que acompanha as sensações do personagem. Já no número 12, uma grande história em três partes com roteiros de Márcio Morais e Rodrigo de Góes tenta estabelecer uma conclusão parcial para a narrativa. Nessa história em três partes desenhadas por Arantes e Roberto Martins, a quantidade de informações e acontecimentos acabou obrigando os desenhistas a colocar uma maior quantidade de conteúdo visual por página, o que os levou a algumas soluções mais elaboradas e que deixou transparecer mais das suas influências dos quadrinhos estadunidenses de super-heróis do período.

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uma das fortalezas imperiais

A influência das produções da Marvel e DC pode ser notada ainda em como as histórias estabelecem uma grande narrativa em um universo compartilhado pelos personagens de diferentes séries de tokusatsu habitando uma mesma cronologia de eventos. Algo que a própria Toei só começaria a estabelecer a partir de 2011.

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Flashman contra os Caçadores Espaciais desenhados por Roberto Martins.

Dentro desse universo diegético compartilhado ainda havia as segundas histórias de cada número, que tinham roteiros de Alexandre Nagado (1971–) e de Góes. Essas histórias traziam como protagonistas personagens dos seriados Super Sentai da Toei Dengeki Sentai Changeman (1985–1986) e Choushinsei Flashman (1986–1987) em continuidade ao final das respectivas séries, bem como o personagem secundário de Kyoujuu Tokusou Juspion, Bomerman (Boomeran, no original), nas quais atuava em histórias de espionagem internacional que parecem inspiradas na história em quadrinhos da Marvel The Hands of Shang-Chi, Master of Kung Fu, também criada por Jim Starlin. Apesar de um fundo de continuidade, na qual Boomerman atuava junto dos Changeman em uma agência de segurança internacional, essas histórias secundárias tratavam-se de episódios quase fechados nos quais a narrativa seguidamente se desenvolvia de forma burocrática, como se estivesse saltando rapidamente por uma série de estágios predeterminados que não concediam tempo para aprofundamento das tramas ou grande desenvolvimento de personagens. Já os desenhos, em sua maioria eram feitos por Roberto Martins, que tinha influência das histórias em quadrinhos estadunidenses do período, mas com fortes elementos dos quadrinhos nacionais do início dos anos 1990. Uma das características estilísticas que causa mais estranhamento na representação desses personagens japoneses em histórias em quadrinhos brasileiras é a representação corporal, que, sob influência dos quadrinhos estadunidenses, representa os personagens com musculaturas idealizadas bem definidas como na tradição das histórias em quadrinhos de super-heróis do período. Tal estilo de representação contrasta com a tradição iconográfica japonesa na qual os protagonistas heroicos não costumam ser representados por atores com musculatura hipertrofiada e vestem trajes de batalha e armaduras que não marcam exageradamente o contorno de seus corpos.

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Boomerman em uma trama de espionagem desenhada por Roberto Martins.

Após o fim de O Fantástico Jaspion, o Studio Velpa deu continuidade ao seu universo compartilhado de personagens de séries tokusatsu ao ficar encarregado da terceira série da revista Heróis da TV da Editora Abril na qual, além dos personagens de diferentes séries da Toei exibidas no Brasil, também foram publicadas histórias com os personagens da série Dennou Keisatsu Cybercop (1988–1989) da Toho. A terceira série de Heróis da TV teve vinte e um números publicados, de janeiro de 1992 a outubro de 1993, além de alguns almanaques e edições especiais.

Ainda, o Studio Velpa foi responsável pela publicação d a revista Change Kids, também pelo selo Jaspion Hero-Club e através da Editora Abril. Change Kids trazia histórias em quadrinhos cômicas protagonizadas por versões infantis dos personagens de Dengeki Sentai Changeman e teve sete números publicados de janeiro a julho de 1991.

Apesar dos eventuais problemas em O Fantástico Jaspion, a publicação foi uma interessante opção de produção nacional de quadrinhos com temática de aventura heroica durante a década de 1990 e abriu caminho para uma série de leituras nacionais de personagens japoneses que se seguiram. Possuía potencial para ter se desenvolvido mais se as histórias tivessem mais páginas, e o título tivesse durado mais tempo. Em 2018 Rodrigo de Góes faleceu, mas deixou em seu legado essa aventura espacial única.

Referências

NAGADO, Alexandre. Rodrigo de Goes, meu irmão nos quadrinhos. In: Sushi Pop, 12 de junho de 2018. Disponível em: http://nagado.blogspot.com/2018/06/rodrigo-de-goes-quadrinhos.html

STUDIO Velpa. Change Kids. N. 1–7. São Paulo: Editora Abril, janeiro–julho de 1991.

STUDIO Velpa. Heróis da TV. 3ª série. N. 1–21. São Paulo: Editora Abril, janeiro de 1992–outubro de 1993.

STUDIO Velpa. O Fantástico Jaspion. N. 1–12. São Paulo: Editora Abril, novembro de 1990–outubro de 1991.

TOEI. Metal Hero: saikyou senshi retsuden. Family Magazine, 2014.

2 comentários em ““O Fantástico Jaspion”, a HQ space opera brasileira de Rodrigo de Góes

  1. Excelente artigo! Essas HQ’s tiveram a oportunidade de estender a personalidade tanto dos herois quanto o dos novos vilões. É uma pena que não conseguiram fazer tudo em tempo.
    A última história solo de Boomerman, por exemplo, lhe deram até um nome civil ao contar um pouco sobre a origem do personagem, coisa que não aconteceu durante a série na TV.

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