Apesar de não ser tão conhecido no Ocidente quanto deveria e jamais ter sido publicado no Brasil, Ishinomori Shoutarou (1938–1998) foi o quadrinhista mais produtivo da história do planeta e um dos mais — se não o mais — influente autor dos quadrinhos japoneses. Ativo desde o meio da década de 1950 até sua morte, estabeleceu várias convenções utilizadas nas HQs japonesas até hoje e é conhecido carinhosamente como manga no oh (“rei dos quadrinhos”). A temática do corpo não natural é recorrente na produção de Ishinomori e ela está presente em um de seus trabalhos mais marcantes, Jinzou Ningen Kikaider (人造人間キカイダー), publicado na revista Weekly Shounen Sunday entre 1972 e 1974 e posteriormente compilado em edição tankoubon em seis volumes. Nessa obra, Ishinomori faz referências a Tetsuwan Atom, publicado de 1952 a 1968, de Tezuka Osamu (1928–1989) e Le Avventure di Pinocchio: storia di un burattino, publicado entre 1881 e 1882, de Carlo Collodi (1826–1890) reapresentando suas premissas.
Jinzou Ningen Kikaider inicia citando o texto de Collodi em que a fada aparece para dar vida ao boneco Pinocchio. Em seguida, somos apresentados ao especialista em robótica, Dr. Koumyouji e seus dois filhos, Koumyouji Mitsuko e Koumyouji Masaru. Enquanto Mitsuko lê a história de Pinocchio para o irmão, o Dr. Koumyouji passa a noite trabalhando em seu laboratório na criação de um humanoide mecanizado. O cientista pressente uma tragédia e toma preparativos antes da inevitável destruição do laboratório. Enquanto Mitsuko investiga a morte do pai acreditando não ter se tratado de um acidente como divulgam as autoridades e a imprensa, acompanhamos um homem que aparece em meio à mata com seu violão sem saber onde está, como chegou ali e quem é.
Posteriormente é revelado que o Dr. Koumyouji tornou-se obcecado em criar uma forma de vida humana artificial após o assassinato de seu primogênito, Koumyouji Ichirou, abandonando sua vida social e o convívio familiar para alcançar seu objetivo. E que o homem sem memória, Jirou, é o humano artificial construído pelo cientista, possuindo força física acima da humana, capacidade de voo devido aos jatos instalados em seus pés e a de disparar rajadas de eletricidade, incluindo ainda a capacidade de assumir uma forma de batalha chamada Kikaider, contração de kikai (“máquina”) com rider (“motoqueiro”). Jirou acaba instintivamente entrando em seu modo de combate para salvar Mitsuko e Masaru de uma série de outros robôs, também dispositivos de batalhas, mas feitos de uma tecnologia diferente da de Jirou, que são enviados para capturá-los. Os combates contra robôs cada vez mais avançados levam Jirou a descobrir que seu real inimigo é o Professor Gill Helbert, líder da organização DARK, responsável pelos ataques aos filhos, bem como pela destruição do laboratório, do Dr. Koumyouji, com o intuito de roubar sua tecnologia para usá-la na criação de um exército de robôs para dominação mundial.
Ao descobrir os planos da DARK para sua criação, Koumyouji instalou em Jirou um circuito de consciência — chamado posteriormente de GEMINI System — capaz de conceder ao seu androide a capacidade de sentir emoções, no caso de Jirou principalmente culpa, remorso e empatia. O sistema GEMINI, instalado na posição equivalente ao do coração, é uma releitura tanto do Grilo Falante de Collodi — “Jiminy Cricket” na adaptação para o longa de animação de 1940 de Walt Disney (1901–1966) — como da similar tecnologia Kokoro instalada em Atom por seu criador, o Dr. Tenma, em Tetsuwam Atom de Tezuka. Graças a ela, Jirou possui uma consciência artificial melancólica, que se sensibiliza com as dificuldades dos humanos que encontra em seu caminho e que está sempre procurando e questionando qual é seu lugar no mundo. Algo que é bem comum em outros personagens de Ishinomori que compartilham as questões do corpo artificial criado com fins bélicos, Jirou está sempre se perguntando se ele é de fato um sujeito ou apenas uma arma. Logo em sua primeira cena na narrativa, Jirou se vê perdido em uma ambiente natural sem saber o que é e o que deve fazer, tentando entender o espaço em que se encontra e as formas de vida que o rodeiam, quando é inesperada e gratuitamente atacado por uma das máquinas de guerra da DARK, e instintivamente reage descobrindo habilidades de combate que desconhecia. Logo, o primeiro conhecimento que tem sobre sua individualidade, antes de saber seu nome ou como nasceu, é descobrir que é uma arma. O próprio design de Kikaider já revela essa dicotomia, tendo seu corpo dividido verticalmente em duas partes opostas de cores também opostas, uma metade azul e outra vermelha sem se misturarem, além de várias áreas de seu exoesqueleto serem transparentes dando uma impressão de incompletude e fazendo com que, sempre que diante de um espelho, apesar de sua forma externa humanoide, contemple que, por dentro, é uma máquina.

Ishinomori reinsere nos quadrinhos a ideia do jinzou ningen recuperando o termo usado como título daquela que possivelmente é a primeira história em quadrinhos japonesa a apresentar um androide, Jinzou Ningen, publicada em 1929 de Tagawa Suihou (1899–1989). Termo que Tagawa havia se apropriado de Jinzou Ningen F-shi (Humano Artificial Sr. F), lido em transmissão radiofônica em 1939, do autor de ficção cientifica Unno Juuza (1897–1949). Unno também havia se apropriado do termo “jinzou ningen”, uma vez que ele fora utilizado em 1923 como título na primeira tradução para o japonês da peça R.U.R. de 1920 de autoria Karel Čapek (1890–1938). É interessante como o termo foi composto. Ningen (人間) significa “humano”, o que nos define como uma espécie própria e pode ser usado como oposição a outras formas de vida. Já jinzou (人造) é composto por dois ideogramas, o primeiro com o significado de “pessoa”, e o segundo, de “construção”. Juntos, formam a ideia de “construído por uma pessoa”, ou seja, “artificial”. Um jinzou ningen é um humano artificial. É um objeto que é mais do que um dispositivo ordinário ao se projetar sobre ele uma noção de sujeito que, a princípio, não é inerente ou se origina nele próprio, ao mesmo tempo que é um humano que não atinge um estado pleno de humanidade. Um boneco, como Pinocchio. E esse é o grande dilema de Jirou, uma máquina de guerra que aprecia mais tocar seu violão sozinho enquanto contempla a natureza do que guerrear: deve ele aceitar seu estado de objeto ou reivindicar uma condição como indivíduo e tentar tornar-se um menino de verdade mesmo que negar o propósito para o qual foi construído faça com que seja uma criatura que jamais achará seu lugar no mundo?
Revela-se na história que parte dos robôs enviados pela DARK para combater Jirou foram projetados pelo Dr. Koumyouji, que sobreviveu ao atentado em seu laboratório para ser capturado pela DARK e forçado a colaborar com seus planos. Entretanto esses robôs não passam pelo dilema de Jirou. Primeiro, porque em sua maioria possuem formas inspiradas em animais — louva-deus, rinoceronte, morcego, as formas animais tradicionais nos kaijin (“pessoa alterada”), de Ishinomori, com toda a bagagem iconográfica e simbólica que já construiu em relação a estas formas animais — e, quando possuem a habilidade de assumir uma forma humana, negam veementemente esta humanidade que é só aparente. Segundo, por, apesar de serem capazes de demonstrar algumas emoções, não possuem o circuito de consciência, não tendo uma consciência moral, sendo dominados por emoções agressivas e incapazes de se identificar com a condição humana e ter empatia pelas formas de vida. Os agentes da DARK são apenas robôs e armas de guerra e aceitam seu papel como tal e estão vinculados à sua programação. Não são jinzou ningen como Jirou nem compartilham da ambição de Pinocchio.
A concepção de Jirou pelo Dr. Koumyouji após a morte de Koumyouji Ichirou e a instalação da tecnologia GEMINI claramente remete à criação de Atom pelo Dr. Tenma após a morte de seu filho Tobio e à tecnologia kokoro que permite que Atom seja um androide com sentimentos humanos na obra de Tezuka, e o sentimento de rejeição paterna é compartilhado por ambos protagonistas. Mas não devemos interpretar como uma simples relação de cópia. No costume cultural japonês, a relação de tradição e continuidade é de extrema relevância. Um artista de uma técnica tradicional, como um estilo de teatro ou música, não pode simplesmente se inserir no meio e esperar ser aceito. Ele precisa se filiar a uma escola, ser instruído por um mestre e ser introduzido por ele, acabando por ter a responsabilidade de dar continuidade à tradição ao qual tomou parte. Assim também é na tradição literária, na qual, desde o período clássico, uma obra narrativa, para se legitimar, deve retomar e citar uma obra já consagrada e se apresentar como uma releitura ou continuidade dela, só assim tornando-se também arte. Citar e apropriar-se não é apenas uma forma do autor exibir sua cultura e instrução, é também como elogia e homenageia aqueles artistas a que considera como mestres, indica que tiveram relevância em sua formação e dos quais pretende se estabelecer como uma continuidade, como um herdeiro daqueles mestres do passado. Quando Ishinomori se apropria de elementos de Tetsuwan Atom e os reinterpreta, eles se coloca como herdeiro e sucessor de Tezuka, e de Disney e Colllodi ao qual Tezuka citou por sua vez. Assim, como Tezuka inseriu diversos temas nas histórias em quadrinhos japonesas, Ishinomori desenvolveu e definiu padrões para vários destes temas, incluindo os do corpo humano artificial e da inteligência artificial, e foi a referência para gerações de autores que vieram após ele.
Voltando ao primeiro arco da obra, os combates entre Jirou/Kikaider e os robôs enviados pela DARK para capturar a ele e aos filhos de Koumyouji levam o protagonista a se envolver na vida de diferentes pessoas em situações de necessidade ou sendo manipuladas pela DARK e a confrontar com uma variedade de robôs com designs incomuns típicos de Ishinomori. Também passa a ser visto por Mitsuko e Masaru como um membro da família.

Em uma dessas histórias, Jirou tem um programa instalado em si que faz com que, ao ouvir uma melodia específica, perca o controle e assuma um comportamento violento, que mais uma vez o faz confrontar sua natureza como arma e a se isolar dos irmãos Koumyouji com medo de feri-los. Em seu exílio, conhece novas pessoas que o levam a apreender sobre a condição humana e a procurar seu lugar no mundo. Até que o surgimento do misterioso Saburou, que incrimina Jirou por assassinatos cometidos pelos robôs da DARK e usa da melodia para fazer com que se torne agressivo e ataque policias e uma cidade. Ao confrontar Saburou, este acusa Jirou de ter matado seu pai, e apresenta como prova uma fotografia do corpo do Dr. Koumyouji com o crânio aberto e ensanguentado. Saburou revela que o Dr. Koumyouji foi forçado a usar seu conhecimento para construir um jinzou ningen que seria a arma definitiva. Saburou mostra sua forma de combate, sendo ele a última criação de Koumyouji, o androide Hakaider, batizado com uma contração das palavras hakai (“destruição”) e rider. Diferente de Kikaider, Hakaider não possui apenas um corpo transformado em arma, como também empunha uma pistola, uma arma pura que nada tem de sujeito e existe apenas com o propósito bélico, demonstrando que não possui as ressalvas morais de Jirou quanto a assumir sua função como instrumento de morte. Saburou é uma antítese ao que Jirou representa moralmente e se apresenta como um irmão mais jovem superior, tanto por atingir seu potencial máximo ao aceitar sua condição como instrumento de guerra, como por possuir entre seus componentes algo que Jirou nunca alcançará: um cérebro humano genuíno exibido através de seu crânio transparente que Jirou precisa confrontar como uma espécie de espalho inverso que reflete aquilo que o protagonista jamais será. Novamente Ishinomori constrói uma oposição que nos faz questionar o real significado de “humano”. Seria mais humano Saburou, com seu cérebro orgânico, mas incapaz de sentir empatia por outros humanos, ou Jirou, capaz de se identificar com uma humanidade que não pode alcançar, mesmo sendo composto de peças artificiais eletromecânicas?

Assim, Saburou/Hakaider leva Jirou a atacar os irmãos Koumyouji e posteriormente o derrota, levando-o à sede da DARK danificado. Lá, Jirou é reparado pelos cientistas da DARK, sob supervisão de Gill Helbert, e é preparado para a instalação de um circuito de obediência para que fique sob comendo da DARK. Entretanto o cérebro usado na construção de Hakaider trata-se do outrora pertencente ao Dr. Koumyouji, que teve seu corpo mantido em estado de preservação pela DARK. A consciência de Koumyouji desperta por alguns instantes o corpo de Hakaider e se sacrifica para libertar Jirou. Kikaider derrota Helbert, mas, quando está prestes a matá-lo, sua consciência moral faz com que hesite e o obrigue a devolver o cérebro do Dr. Koumyouji ao seu corpo. Kikaider derrota a DARK, destruindo suas instalações e salvando o Dr. Koumyouji, mas o Gill Helbert escapa.
Após a queda da DARK, um segundo arco tem início. Em uma vila no interior aos pés da montanha na qual estava localizada a sede da DARK, criaturas humanoides vestindo farrapos e que parecem zumbis consumidas por fungos aparecem e atacam a população. Ao mesmo tempo, aqueles que tentam investigar o que acontece na aldeia são mortos por Hakaider e sua nova tropa formada por três robôs construídos como tecnologia similar: Red Hakaider, Blue Hakaider e Silver Hakaider. Na verdade, após os ferimentos mortais causados em seu corpo na destruição da fortaleza da DARK, o Professor Gill Helbert teve seu cérebro transferido para o corpo de Hakaider, tornando-se o novo Gill Hakaider.

Ao saber dos incidentes próximos à base da DARK, Jirou vai investigar e é derrotado pelo Quarteto Hakaider, mas escapa. Graças a uma indicação de um convalescente Dr. Koumyouji, Jirou se dirige a um templo budista e faz mais uma descoberta: Jirou não foi o primeiro jinzou ningen criado pelo Dr. Koumyouji. Koumyouji Ichirou era um agente ambiental e foi assassinado durante uma investigação envolvendo uma corporação corrupta associada à DARK. Após o fato, o Dr. Koumyouji decidiu criar um agente ambiental que não pudesse ser morto e construiu o primeiro jinzou ningen, que batizou com o mesmo nome de seu falecido filho. Entretanto esse Ichirou androide era muito impulsivo e imaturo e não possuía o circuito de consciência. Temendo que ele pudesse ser dominado pela DARK, Dr. Koumyouji o enviou para ser protegido por um amigo monge. Ao despertar, o androide Ichirou revela-se possuindo também uma forma de batalha chamada Kikaider 01 (Kikaider Zero One) e recebe Jirou como sendo seu irmão.


Ao serem procurados por uma mulher e um menino que querem ajuda contra seus perseguidores, os irmão Kikaider entram em combate com o Quarteto Hakaider e o robô resultante da combinação das quatro unidades: Gattaider, nomeado a partir da contração de gattai (“combinação de corpos” ou “união”) e rider. A mulher perseguida, Rieko, é responsável pela guarda do menino chamado Akira, que na verdade é filho do Professor Gill Helbert, e fugiu com ele para protegê-lo do pai. Antes da batalha final, tanto Jirou/Kikaider e Ichirou/Kikaider 01 como o Quarteto Hakaider são atacados por estranhas criaturas. E, após a derrota de Gattaider, que reaparece em busca de Akira, os irmãos Koumyouji partem com seu pai para um local seguro longe da batalha para a recuperação do cientista, deixando os irmãos Kikaider, Rieko e Akira vivendo na casa da família Koumyouji.

Kikaider 01 tem uma aparência similar à de Kikaider. Também com parte de seus circuitos expostos e tendo o corpo dividido verticalmente em duas metades de cores diversas. Entretanto os lados vermelho e azul são opostos aos de Kikaider. Ichirou/Kikaider 01 em personalidade também é o oposto de Jirou, sendo um sujeito impulsivo e sempre prestes a explodir em emoções. Se Jirou tende à melancolia solitária com sue violão, Ichirou/Kikaider 01 é alegre ao tocar seu trompete, ciumento e ansioso. Os irmãos Kikaider têm personalidades conflitantes, mas que se complementam e fazem com que Jirou encontre um tipo de lugar para ele no mundo. Kikaider 01 pode não ser tão forte fisicamente quanto a forma de batalha de Jirou, mas possui a capacidade de disparar rajadas de energia solar e um estilo de luta mais agressivo, sem as hesitações e incertezas causadas pelo circuito de consciência, além de também possuir os jatos para voo acoplados nos pés.

O terceiro arco inicia quando uma série de estranhos robôs, tendo a mesma origem daqueles que interferiram anteriormente na luta entre os irmão Kikaider e o Quarteto Hakaider, volta a atacar e vigiar a casa onde vivem os protagonistas. O novo inimigo, a organização SHADOW, deseja capturar Akira, pois ele tem tatuado em seu corpo parte dos planos para conclusão da arma definitiva projetada por Gill Helbert, o robô gigante com poder atômico, Giant Devil. A criança chamada Akira vive alienada do contexto de que tem o potencial de se tornar uma arma de aniquilação mundial. Levando em conta que Ootomo Katsuhiro (1954–) trabalhou no longa animado de 1983 que adaptou outra obra de Ishinomori publicada ente 1967 e 1969, Genma Taisen, que trata de pessoas com poderes psíquicos em um mundo indo rumo a um cenário pós-apocalíptico, e que ela foi uma

importante influência em seu Akira, publicado de 1982 a 1990, é provável que o nome da criança com o potencial de ser usada como arma de destruição do mundo que dá título à sua obra seja uma referência ao personagem Akira de Jinzou Ningen Kikaider. O novo inimigo em comum leva Kikaider 01 e Gill Hakaider a se aliarem para resgatar Akira e a protegerem a irmã gêmea do menino, Rumi, que possui o restante do projeto da arma definitiva.
Jirou acaba estudando as pesquisas do Dr. Koumyouji e cria um novo irmão, cuja forma de batalha é denominada Kikaider 00 (Kikaider Double O), e tendo como nome Rei, que também é uma das pronúncias japonesas para o número zero. Não por coincidência, o nome civil de Kikaider 00 é o mesmo da piloto do Eva 00 na série animada Neon Genesis Evangelion de 1995 a 1996. Personagem que também trata-se de uma forma de vida artificial e tem como dilema viver entre a condição de sujeito e a de boneco/arma de guerra. Kikaider 00 é capaz de voar em velocidades supersônicas, além de gerar rajadas e lâminas de energia elétrica e solar. Entretanto, psicologicamente, Rei é um personagem extremamente calmo, que protege sua família e se dedica à batalha quando necessário, mas cuja tranquilidade lhe dá uma ar quase de indiferença, que também lhe faz ser similar a Ayanami Rei de Neon Genesis Evangelion.


A relação de paternidade presente na obra é um tanto errática. Dr. Koumyouji desejava criar um sujeito que pudesse ocupar o lugar de seu filho assassinado e cumprir missão que ele tinha escolhido para si e foi impedido de realizar, mas, para isto, torna-se um pai ausente e displicente em relação a Mitsuko e Masaru. Ainda, após criar Ichirou/Kikaider 01, sob o pretexto de protegê-lo, isola-o e o afasta de si para, em seguida, iniciar a construção de um novo “filho”, Jirou/Kikaider, sem jamais ter sido um pai presente em relação aos demais. Dr. Koumyouji fracassa como pai afastando-se dos filhos por medo de fracassar e por tentar recuperar algo irrecuperável ao invés de tentar manter o que está acessível ao seu lado. Já o Professor Gill Helbert não vê seus filhos biológicos como indivíduos, mas sim como objetos. Sua preocupação com a segurança de Akira e Rumi tem como única origem o fato de cada um deles possuir uma parte do plano para a finalização de seu Giant Devil, este sim tratado como seu verdadeiro “filho” e legado que planeja deixar para a História. Se os irmãos Kikaider são bonecos que passaram a ser vistos como sujeitos, Akira e Rumi, em via oposta, são sujeitos que foram condicionados a assumirem a posição de bonecos.

Após o resgate de Akira e a destruição da estação espacial da SHADOW, os irmãos Kikaider e Gill Hakaider são procurados por dois novos jinzou ningen criados pelo Dr. Dromeda, um cientista sobrevivente da SHADOW. São os androides irmãos Walder e Mieko e têm como objetivos capturar Akira e Rumi para realizar a conclusão do Giant Devil. Mieko, que possui uma forma de batalha nomeada Bijinder — batizada a partir da contração de bijin (“pessoa bonita”) e rider —, primeiramente se infiltra no grupo de Jirou com o objetivo de colocar os seus integrantes uns contra os outros e levar as crianças para seu criador. Mas cria afeição pelos companheiros e estabelece um lugar de pertencimento e acaba confrontando seu irmão Walder para defender os irmãos Kikaider, tornando-se definitivamente parte do grupo.


Ao longo da narrativa, Ichirou/Kikaider 01 costuma ser menos tolerante com os oponentes do que Jirou. Enquanto Jirou sente-se culpado por enfrentar outros robôs, que considera não terem completa culpa pelos atos violentos que cometem por não possuírem o circuito de consciência e estarem apenas cumprindo sua programação, Ichirou/Kikaider 01, que também não possui o circuito de consciência, defende que, apesar de não possuírem instalada a tecnologia que lhe permite simular o julgamento moral humano, ainda possuem inteligência e livre arbítrio que poderiam ser usados para transcender sua programação original. Apesar de Ichirou/Kikaider 01 valer-se desse argumento de forma agressiva, culpabilizando os robôs adversários, ele se comprova verdadeiro de uma forma otimista com Mieko/Bijinder superando a programação instalada por Dr. Dromeda ao decidir por vontade própria derrotar Walder e seu criador e apoiar os irmão Kikaider.

Durante o confronto com as criaturas do Dr. Dromeda, Gill Hakaider foge com seus filhos. Quando finalmente Gill Hakaider é localizado, seu Giant Devil, um mecha colossal construído segundo a iconografia doguu — os bonecos de cerâmica produzidos pelas culturas pré-históricas japonesas durante a Era Joumon (c. 14000 a.C.–c. 400 a.C.), sendo as mais antigas esculturas de cerâmica conhecidas —, já está sendo ativado. É curioso que o “boneco” construído para provocar a destruição da humanidade possui a forma dos primeiros bonecos feitos pelos humanos. Pilotando o Giant Devil, Gill Hakaider derrota o grupo de Jirou, que é capturado, e destrói a última fortaleza da SHADOW. Quando Jirou desperta, vê-se preso dentro do Giant Devil. Gill Hakaider revela que instalou circuitos de controle no grupo de prisioneiros. Apenas Jirou resiste às ordens de Gill Hakaider devido a um conflito gerado entre o circuito de controle e o circuito de consciência. O que leva ao confronto final da narrativa

A influência de Jinzou Ningen Kikaider nas narrativas posteriores envolvendo temas do corpo e da inteligência artificial é enorme. Em Chou Denshi Bioman (Super Elétron Bioman), a série Super Sentai exibida de 1984 a 1985, durante a segunda metade da temporada, surge Bio Hunter Silva, um androide militar vindo de um planeta devastado por armas de destruição em massa, cuja finalidade de existência é cumprir sua programação: destruir a qualquer custo todos os elementos que se valham de biopartículas como fonte de energia, inclusive os Bioman. Bio Hunter Silva tem um design fortemente inspirado em Hakaider, inclusive sua postura de empunhar sua pistola, e sua aceitação de sua natureza básica não como um sujeito, mas como uma arma. Ao detectar biopartículas com seus sensores, Bio Hunter Silva exclama sua frase característica: “Hakai! Hakai! Hakai!”.
O videogame Rockman, lançado pela empresa Capcom em 1987 para Famicom, e suas sequências são profundamente influenciados por Jinzou Ningen Kikaider. Nele, mais uma vez um cientista maligno rouba a tecnologia de desenvolvimento de robôs criada por um cientista pacifista e a usa como arma para a subjugação do mundo. E um robô visto pelo seu criador como um filho tem de, contra sua verdadeira natureza, assumir uma postura de combate para proteger seu criador e sua sociedade dos perigos do emprego da tecnologia com finalidades bélicas, uma vez que o protagonista Rockman tinha como objetivo ter uma vida normal continuando a desempenhar as atividades para qual foi projetado como assistente de laboratório, e não de guerreiro. O design de Rockman tem muitos de seus elementos desenvolvidos a partir da estrutura de Kikaider: a proporção de seus membros, a estrutura de seu capacete, os receptores auriculares, os orifícios de propulsão na sola dos pés. Nos primeiros confrontos entre os irmãos Kikaider e a SHADOW, Ichirou/Kikaider 01 tem seu braço esquerdo destruído, e Jirou o reconstrói no laboratório do Dr. Koumyouji. O novo antebraço de Kikaider 01 é capaz de recolher a mão, transformando-se em um canhão e dando uma nova habilidade de combate ao personagem. Um canhão muito similar, derivado do de Kikaider 01, é a principal arma de Rockman, bem como da maioria dos personagens da série.

No videogame original, Rockman e sua irmã Roll são apresentados como sendo os robôs desenvolvidos pelo Dr. Rigth de modelos DRN.001 e DRN.002. Em Rockman 3: Dr. Wily no Saigou!? (Rockman 3: O Fim de Dr. Wily!?) de 1990, é introduzido o personagem Blues, o robô modelo DRN.000, protótipo usado para a construção do protagonista que fora oculto e que o vê como um irmão. Uma relação muito parecida com a de Jirou e Ichirou/Kikaider 01. Blues também possui um design inspirado em Kikaider, bem como influenciado por personagens de outra série de Ishinomori que trata de temas próximos e que também são nomeados segundo modelos tecnológicos numerados, Cyborg 009. Entretanto, se Kikaider e Kikaider 01 compartilham a divisão de seus corpos em duas metades, uma azul e outra vermelha, Rockman tem como cor principal o azul, enquanto Blues tem o vermelho. Ainda, a partir de uma lógica de evolução ou desenvolvimento, Rockman e sua irmã Roll foram desenvolvidos a partir do protótipo Blues, como o estilo musical Rock & Roll tem como filiação o Blues, e Jirou/Kikaider com seu inseparável violão foi construído a partir de seu protótipo Ichirou/Kikaider 01 com seu trompete. Segundo a narrativa, Dr. Koumyouji equipou seus robôs com instrumentos por ser um apreciador de música. Tal carinho pela música reaparece na série Rockman ao ter muito dos seus personagens relevantes batizados com nomes que remetem a elementos musicais.


O videogame derivado Rockman X, lançado em 1993 para Super Famicom, e suas sequências também possuem muita influência de Jinzou Ningen Kikaider em seu design. Os antagonistas, principalmente, com suas formas inspiradas em animais, lembram muito os robôs da DARK. Em Rockman X, o protagonista X, projetado pelo mesmo criador de Rockman, recebeu uma nova tecnologia em sua concepção que lhe permite livre arbítrio, independente do determinado pelas Leis de Asimov, e a capacidade de fazer julgamentos morais. A partir dele é construída uma nova geração de robôs chamados reploids, capazes de auto consciência e julgamento próprio. Quando alguns reploids decidem agir contra o interesse da humanidade, X se sente responsável e toma parte de uma organização dedicada a detê-los. Em Rockman X, novamente é retomado o conflito de Jirou e de sua condição como ser artificial possuidor do circuito de consciência, que por sua vez retoma o de Atom e seu Kokoro e o de Pinocchio e seu livre arbítrio.
Em Dragon Ball, publicado originalmente entre 1984 a 1995, Toriyama Akira (1955–) também apresenta sua versão de pessoa artificial. Toriyama divide suas criaturas artificiais em duas categoria, e divide cada uma destas e duas subcategorias. Na primeira categoria, inclui as criaturas robóticas, e divide em “robot”, dispositivos eletromecânicos autônomos projetados para cumprir determinadas funções, e “cyborg”, formas de vida orgânicas equipadas com próteses eletromecânicas que se tornam extensões de seus corpos.
Na segunda categoria, Toriyama apresenta os seus jinzou ningen e, ao escolher este termo e numerá-los, coloca suas pessoas artificiais como uma continuidade conceitual daquelas apresentadas por Ishinomori assumindo uma filiação de conceito narrativo e de tradição estética que o vincula a Ishinomori e sua obra. Tais jinzou ningen, diferente dos robôs, que não têm uma origem específica podendo vir de várias fontes, estão vinculados com o grupo Red Ribbon, uma organização totalitarista que os usa como armas e intenta a dominação mundial. Ou seja, seus jinzou ningen estão sujeitados ao dilema dos personagens de Ishinomori de estarem em uma condição entre a do objeto com finalidades bélicas e o de sujeito que quer afirmar sua autonomia. Este dilema é justamente o enfrentado diretamente pelo primeiro jinzou ningen surgido em Dragon Ball, Jinzou Ningen 8 Gou (Androide Número 8), que é forçado a desempenhar funções de combate quando, em seu íntimo, é um pacifista.
A primeira subcategoria de seus jinzou ningen, Toriyama define como “mecha type”, no qual inclui as pessoas artificiais construídas a partir de componentes exclusivamente eletromecânicos. Nesse grupo estão inseridos Jinzou Ningen 16 Gou e Jinzou Ningen 19 Gou, feitos completamente de peças mecanizadas, e Jinzou Ningen 20 Gou, tendo seu corpo construído com peças mecânicas, mas controlado por um cérebro orgânico acoplado em seu crânio artificial. Aí encontramos mais um paralelo com Jinzou Ningen Kikaider. Enquanto Jinzou Ningen 16 Gou, um ser totalmente artificial e programado para o combate, tem uma personalidade gentil, gosta de apreciar a natureza e sente empatia com as formas de vida — uma

personalidade muito parecida com a de Jirou —, Jinzou Ningen 20 Gou, possuidor de um corpo artificial controlado pelo cérebro orgânico do criador dos androides da Red Ribbon, o Dr. Gero, é cruel, agressivo e não possui nenhum tipo de consideração pelas formas de vida, aproximando-se muito de Saburou/Hakaider. Inclusive, por baixo do chapéu usado por Gero/Jinzou Ningen 20 Gou, seu cérebro orgânico fica visível através do topo transparente de seu crânio, indicando um design influenciado por Saburou/Hakaider. Uma observação interessante nesse sentido pode ser feita em relação à capa do sexto e último volume da edição tankoubon de Jinzou Ningen Kikaider. Nela, observamos da perspectiva de Jirou os protagonistas, seres completamente artificiais, confrontarem seus reflexos sobre o superfície translúcida que revela o cérebro orgânico de Hakaider, nos indicando como o grupo de Jirou constrói sua autoimagem a partir de uma interpretação negativa da natureza humana que jamais alcançará. Voltando a Dragon Ball, Jinzou Ningen 16 Gou possui, ainda, a capacidade de desacoplar as extremidades de seus antebraços transformando-os em um tipo de canhão, similar ao de Kikaider 01 e ao de Rockman, para disparar seu ataque especial Hell’s Flash.

A segunda subcategoria de jinzou ningen de Toriyama é chamada de “bio type”. Nela se enquadram os jinzou ningen construídos utilizando componentes de natureza orgânica, como Jinzou Ningen 8 Gou, Jinzou Ningen 17 Gou, Jinzou Ningen 18 Gou e Cell. À primeira vista os personagens designados para essa subcategoria poderiam ter sua condição refutada como sendo na verdade cyborg. Entretanto há uma sutil diferença. Um cyborg é uma forma de vida orgânica que possui componentes mecânicos fixados em seu corpo como próteses ou extensões, mas ainda é, em essência, o sujeito original, apesar de modificados. Os “bio type” de Toriyama são pessoas artificiais construídas com componentes eletromecânicos e orgânicos, mas os elementos de natureza biológica não são de uma forma de vida de fato, mas sim cadáveres, corpos humanos despersonalizados, pedaços de carne que funcionam como peças na construção de um novo sujeito que não é o mesmo ao qual o corpo sem vida pertencia quando era vivo. Os jinzou ningen 8 Gou e os irmãos 17 Gou e 18 Gou são de fato jinzou ningen, indivíduos construídos artificialmente cuja matéria prima foi componentes que outrora pertenceram a outros sujeitos que já não existem mais. Jinzou Ningen 17 Gou e Jinzou Ningen 18 Gou são mais parecidos com Ichirou/Kikaider 01 e Mieko/Bijinder, são emocionais e impulsivos e, ao atingirem a autoconsciência e passarem a se entender como sujeitos plenos e não como objetos, conseguem negar seu criador, superar as diretrizes de sua programação original e se inserir em um lugar na sociedade. Eles superam o dilema de Jirou justamente por deixarem de estar em uma situação de ambiguidade ao considerar irrelevante a natureza e a finalidade de sua criação em função da sua autonomia como sujeitos capazes de escolherem seu futuro. Assumindo essa postura, podemos considerar que Jinzou Ningen 17 Gou e Jinzou Ningen 18 Gou seriam aprovados caso fossem julgados segundo a concepção moral de Ichirou/Kikaider 01 sobre o livre-arbítrio das formas de vida artificiais. Já Cell, apesar de ser uma forma de vida puramente orgânica, não é uma vida natural. Foi construído a partir de engenharia genética, o que faz com que seja uma variedade de jinzou ningen que usa DNA como componentes de construção.
Formalmente em Jinzou Ningen Kikaider Ishinomori desenha personagens humanos e animais de formas alongadas e arredondas seguindo a tradição do estilo de Tezuka e se aproximando ainda mais de convenções do abstracionismo icônico em cenas mais cômicas, principalmente nas do personagem Hattori Hanpei, um detetive atrapalhado que se torna amigo de Jirou. Já as paisagens naturais e urbanas, os closes em objetos e os inúmeros cenários tecnológicos e arquitetônicos tendem a ser mais próximos de convenções naturalistas. Os grandes destaques visuais são as concepções visuais inesperadas dos robôs enviados pela DARK e SHADOW, que resulta em toda uma tradição de mechanical design na obra de Ishinomori que é continuada por outros artistas, como no caso da série Rockman, e o detalhado trabalho de texturas feitos para representar superfícies metálicas e reflexivas variadas, solo, folhagem, tecidos. Ishinomori é ousado quando decide que seus protagonistas possuem partes do corpo translúcidas, que são transparentes e ao mesmo tempo refletem luz, permitindo que toda uma série de circuitos e maquinários internos fiquem visíveis. Tal escolha estética aumentou a dificuldade e tempo necessários para a realização dos desenhos, mas deu uma beleza possível apenas no detalhismo e uma inescapabilidade do confronto com a natureza artificial como forma de vida dos protagonistas, da qual eles também não conseguem fugir. Já na composição de página e enquadramento, Ishinomori usa um estilo mais pessoal, valendo-se mais da manipulação do espaço topológico da página para contar sua narrativa, do que dos recursos emuladores da narrativa cinematográfica usados por Tezuka.
Jirou reaparece em outra história em quadrinhos de Ishinomori, Inazuman, publicada entre 1973 e 1974. Um nova versão de autoria de MEIMU foi publicada a partir dos anos 2000 em sete volumes sob o título Kikaider Code: 02 seguida de dois volumes intitulados Inazuman VS Kikaider: The End of Kikaider-02.
Ainda, Jinzou Ningen Kikaider teve várias adaptações e apropriações em outras mídias. Entre elas, a série Jinzou Ningen Kikaider exibida entre 1972 a 1973, sua sequência Kikaider 01 de 1973 a 1974 e a rápida participação dos dois protagonistas no longa OOO, Den-O, All Riders: Let’s Go Kamen Riders de 2011. A releitura dentro da franquia Metal Hero de 1987 a 1988, Choujinki Metalder (Super Homem-Máquina Metalder). O live action de 1995 protagonizado pelo antagonista da HQ original, Jinzou Ningen Hakaider. A série animada de 2000 a 2001 Jinzou Ningen Kikaider: The Animation e os OVAs que a continuam, Kikaider 01: The Animation e Guitar o Motta Shounen: Kikaider VS Inazuman (O rapaz que carraega o violão: Kikaider versus Inazuman). E o longa de 2014 Kikaider REBOOT, tendo participação em dois episódios da série Kamen Rider Gaim (pertencente a outra franquia de personagens também criada por Ishinomori) exibida entre 2013 e 2014.






Em 2019, na série Kamen Rider Zi-O (2018–2019), está presente outro personagem inspirado em Kikaider: Makina Rento/Kamen Rider Kikai. Rento é um humanoise, um tipo de androide que é a espécie dominante da Terra no ano de 2121, cento e cinquenta anos após a estreia e os eventos de Kamen Rider original. Os humanos sobreviventes habitam reservas de proteção ambiental dedicas à manutenção de sua espécie, mas são caçados por alguns humanoise que pregam a extinção da humanidade. Makina Rento/Kamen Rider Kikai é um humanoise que combate os membros de sua espécie que pretendem exterminar os humanos. Há várias referências à Jirou/Kikaider em Makina Rento/Kamen Rider Kikai. Ambos são humanoides artificiais que protegem os humanos. O nome de Kamen Rider Kikai, “Makina”, é um trocadilho com a palavra latina “machina”. O episódio em que Makina Rento/Kamen Rider Kikai aparece pela primeira vez é intitulado Kikai da! 2121 (É/Sou máquina! 2121 ou É/Sou Kikai! 2121) sendo que “Kikai da” tem uma grafia na escrita silábica japonesa equivalente à palavra “Kikaider”. O mesmo tipo de recurso linguístico é usado no nome do ataque especial do personagem, que deriva do tradicional Rider Kick utilizado pelos kamen riders: Kikai de hakai da (É destruído pela máquina), que faz referência tanto a Kikaider como a Hakaider. Ainda, a roupa utilizada por Makina Rento é uma versão da roupa utilizada por Jirou no seriado de 1972–1973, bem como o personagem é interpretado por Irie Jingi (1993–), o mesmo ator que interpretou Jirou/Kikaider em Kikaider REBOOT e Kamen Rider Gaim.

Ainda, o another rider (versões falsas de cada um dos Kamen Rider geradas a partir do roubo dos poderes dos heróis originais) criado a partir de Kamen Rider Kikai não surge de um hospedeiro humano corrompido que recebeu seus poderes como na maioria dos casos ocorridos na narrativa, mas sim a partir de um tronco de árvore que, ao receber os poderes de Kamen Rider Kikai, ganha vida e se torna um sujeito na forma do Another Kikai. Uma referência mais uma vez a Pinocchio, sendo que os dois ideogramas que formam a palavra kikai possuem o radical do ideograma ki (木), que significa “árvore” ou “madeira”.

Jinzou Ningen Kikaider, da mesma forma como inicia, termina citando Le Avventure di Pinocchio de Collodi e relembrando a essência de Jirou como boneco. Atom e Jirou compartilham da contradição de serem objeto e sujeito ao mesmo tempo e nenhum deles por completo. Ambos são criaturas abandonadas por seus pais e em busca de sua identidade. Entretanto esta contradição é abordada de maneira diferente nos dois personagens. Atom, desde sua primeira aparição em Atom Taishi (Embaixador Atom) de 1951 a 1952, tem sua contradição inerente representada de maneira positiva, como um potencial conciliador entre dois mundos. Já Jirou vive isolado justamente por não se encaixar em nenhum dos mundos pelo qual transita. O final trágico de Jinzou Ningen Kikaider apenas joga Jirou em mais contradições e na inexistência de um lugar em que possa se encaixar como sujeito ou objeto que, sendo único por sua ambiguidade, não pode usar os elementos que o rodeiam como referência para construir sua própria identidade.



















Referências
CAPCOM. R20+5: Rockman & Rockman X official complete works. Capcom, 2012.
ISHINOMORI Shoutarou. Jinzou Ningen Kikaider. Edição tankoubon. Vol. 1–6. SF Comics. Sunday Comics, 1972–1974.
ISHINOMORI Shoutarou. Inazuman. Edição bunkoban. Vol. 3. Toukyou: Media Factory, 2002.
Kamen Rider Official Perfect File. No. 95. DeAgostini, 2016.
TOEI. Metal Hero: saikyou senshi retsuden. Family Magazine, 2014.
TORIYAMA Akira. Dragon Ball. Edição tankoubon. Vol. 30–31. Jump Comics. Toukyou: Shueisha, 1992.
TORIYAMA Akira. Dragon Ball Chouzenshuu – Vol. 1: story & world guide. Toukyou: Shueisha, 2013.
Para citar este artigo:
COSTA, Rafael Machado. “Jinzou Ningen Kikaider” e uma Genealogia da Pessoa Artificial nos Quadrinhos Japoneses. In: Ilha Kaijuu. 02 de novembro de 2018, atualizado em 04 de março de 2019. Disponível em: https://ilhakaijuu.com/2018/11/02/jinzou-ningen-kikaider-e-uma-genealogia-da-pessoa-artificial-nos-quadrinhos-japoneses/
Assisti ao anime, é um clássico sem dúvida, mas um adendo, não foi o Unno Juza que criou o termo, o termo veio de uma tradução de RUR do Karel Capek, que até mesmo o Tezuka leu numa versão em livro em 1938, fiz um post sobre robôs japoneses e até falo do termo cyborg nos mangás, descobri essa história do jinzo ningen lendo uma edição da extinta Neo Tokyo, depois pesquisei por mais informações
https://quadripop.blogspot.com/2016/08/origens-secretas-dos-robos-japoneses.html
CurtirCurtir
Eu não sabia que o termo “jinzou ningen” tinha sido usado em uma adaptação do “RUR” para o japonês. Fiquei curioso agora por saber quem fez a tradução e se esta pessoa atuava apenas como tradutor ou também era autor.
CurtirCurtir
Também não sei, sei que já começaram usar em 1923, quando a peça chegou lá, curioso que o Ishinomori criou o kaizou ningen, mas também usava cyborg.
CurtirCurtir
Na Wikipédia em japonês diz que essa tradução foi do Uga Itsuo, pesquisando, achei esse livro, https://books.google.com.br/books?id=uuA3DwAAQBAJ&pg=PA12&lpg=PA12&dq=rur+Uga+Itsuo&source=bl&ots=HO6gsG_Afp&sig=WUXpYYewFUgATMblCZsDy1QTFmw&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwiV5di_t7jeAhVCf5AKHUvwCe0Q6AEwAHoECAcQAQ#v=onepage&q=rur%20Uga%20Itsuo&f=false
Tem nome de tradutores de outras versões (usei o Google pra traduzir)
https://ja.wikipedia.org/wiki/R.U.R.
CurtirCurtido por 1 pessoa
Texto muito bom, espero ainda ler os originais do Shinomori, principalmente Kamen Rider e Skullman.
CurtirCurtido por 1 pessoa
Obrigado! Assim que possível, pretendo fazer um texto sobre as HQs de “Kamen RIder” do Ishinomori.
CurtirCurtir
Excelente artigo, e agora com Ishinomori começando a ser publicado no Brasil, tenho até esperança de Kikaider ser publicado em ptbr.
CurtirCurtido por 1 pessoa
Obrigado! Seria interessante ser publicado por aqui, porque é uma das obras mais influentes do Ishinomori.
CurtirCurtir